O último sermão
terça-feira, 27 de julho de 2010
Nascido em 1620, Thomas Watson estudou em Cambridge
(Inglaterra). Em 1646, iniciou um pastorado de dezesseis anos em Londres. Entre
suas principais obras, estão o seu famoso Body
of Pratical Divinity (Compêndio de Teologia Prática), publicado
postumamente em 1692.
A 24 de agosto de 1662, dois mil ministros puritanos do
evangelho foram excluídos de seus púlpitos, tendo recebido a ordem de não mais
pregarem em público. O Ato de Uniformidade, baixado pelo parlamento inglês,
conhecido pelos evangélicos como a Grande Ejeção, pairava por sobre a
Inglaterra como uma nuvem espessa. Muitos líderes eclesiásticos da Igreja
Anglicana, a religião oficial, estavam forçando os puritanos a cessarem suas
prédicas ou a se moldarem à adoração litúrgica decretada por lei. Muitos
ministros preferiam o silêncio à transigência.
Com olhos marejados de lágrimas, milhares de crentes humildes
ouviram seu último sermão no domingo imediatamente anterior à data em que o Ato
se tornaria lei. E, naquele último domingo de liberdade, os ministros puritanos
provavelmente pregaram os seus melhores sermões.
O sermão que passamos a transcrever, de modo um tanto
abreviado, foi pregado por Thomas Watson a seu pequeno rebanho:
Antes que eu me vá, devo oferecer alguns conselhos e
orientações para vossas almas. Eis as vinte instruções que tenho a dar a cada
um de vós, para as quais desejo a mais especial atenção:
1) Antes de tudo, observa tuas horas constantes de oração a
Deus, diariamente. O homem piedoso é homem “separado” (Sl 4.3), não apenas
porque Deus o separou por eleição, mas também porque ele mesmo se separa por
devoção. Inicia o dia com Deus, visita-O pela manhã, antes de fazeres qualquer
outra coisa.
Lê as Escrituras, pois elas são, ao mesmo tempo, um espelho
que mostra as tuas manchas e um lavatório onde podes branquear essas máculas.
Adentra ao céu diariamente, em oração.
2) Coleciona bons livros em casa. Os livros de qualidade são
como fontes que contêm a água da vida, com a qual poderás refrigerar-te. Quando
descobrires um arrepio de frio em tua alma, lê esses livros, onde poderás ficar
familiarizado com aquelas verdades que aquecem e afetam o coração.
3) Tem cuidado com as más companhias. Evita qualquer
familiaridade desnecessária com os pecadores. Ninguém pode apanhar a saúde de
outrem; mas pode-se apanhar doenças. E a doença do pecado é altamente
transmissível.
Visto não podermos melhorar os outros, ao menos tenhamos o
cuidado de que eles não nos façam piores. Está escrito acerca do povo de Israel
que “se mesclaram com as nações e lhes aprenderam as obras” (Sl 106.35).
As más companhias são as redes de arrastão do diabo, com as
quais arrasta milhões de pessoas para o inferno. Quantas famílias e quantas
almas têm sido arruinadas pelas más companhias!
4) Cuidado com o que ouves. Existem certas pessoas que, com
seus modos sutis, aprendem a arte de misturar o erro com a verdade e de
oferecer veneno em uma taça de ouro. Nosso Salvador, Jesus Cristo, aconselhou-nos:
“Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em
ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores” (Mt 7.15).
Sê como aqueles bereanos que examinavam as Escrituras, para
verificar-se, de fato, as coisas eram como lhes foram anunciadas (At 17.11).
Aos crentes é mister um ouvido discernidor e uma língua crítica, que possam
distinguir entre a verdade e o erro e ver a diferença entre o banquete
oferecido por Deus e o guisado colocado à sua frente pelo diabo.
5) Segue a sinceridade. Sê o que pareces ser. Não sejas como
os remadores, que olham para um lado e remam para outro. Não olhes para o céu,
com tua profissão de fé, para, então, remar em direção ao inferno, com tuas
práticas. Não finjas ter o amor de Deus, ao mesmo tempo que amas o pecado. A
piedade fingida é uma dupla iniqüidade.
Que teu coração seja reto perante Deus. Quanto mais simples é
o diamante, tanto mais precioso ele é; e quanto mais puro é o coração, maior é
o valor que Deus dá à sua jóia. O salmista disse sobre Deus: “Eis que te
comprazes na verdade no íntimo” (Sl 51.6).
6) Nunca te esqueças da prática do auto-exame. Estabelece um
tribunal em tua própria alma. Tem receio tanto de uma santidade mascarada
quanto de ires para um céu pintado. Julgas-te bom porque outros assim pensam de
ti?
Permite que a Palavra seja um ímã com o qual provarás o teu
coração. Deixa que a Palavra seja um espelho, diante do qual poderás julgar a
aparência de tua alma. Por falta de autocrítica, muitos vivem conhecidos pelos
outros, mas morrem desconhecidos por si mesmos. “De noite indago o meu íntimo”,
disse o salmista (Sl 77.6).
7) Mantém vigilância quanto à tua vida espiritual. O coração
é um instrumento sutil, que gosta de sorver a vaidade; e, se não usarmos de
cautela, atrai-nos, como uma isca, para o pecado. O crente precisa estar
constantemente alerta.
Nosso coração se assemelha a uma “pessoa suspeita”. Fica de
olho nele, observa o teu coração continuamente, pois é um traidor em teu
próprio peito. Todos os dias deves montar guarda e vigiar. Se dormires, aí está
a oportunidade para as tentações diabólicas.
8) O povo de Deus deve reunir-se com freqüência. As pombas de
Cristo devem andar unidas. Assim, um crente ajudará a aquecer ao outro. Um
conselho pode efetuar tanto bem quanto uma pregação. “Então, os que temiam ao
Senhor falavam uns aos outros” (Ml 3.16).
Quando um crente profere a palavra certa no tempo oportuno,
derrama sobre o outro o óleo santo que faz brilhar com maior fulgor a lâmpada
do mais fraco. Os biólogos já notaram que há certa simpatia entre as plantas.
Algumas produzem melhor quando crescem perto de outras plantas.
Semelhantemente, esta é a verdade no terreno espiritual. Os santos são como
árvores de santidade. Medram melhor na piedade quando crescem juntos.
9) Que o teu coração seja elevado acima do mundo. “Pensai nas
coisas lá do alto” (Cl 3.2). Podemos ver o reflexo da lua na superfície da
água, mas ela mesma está acima, no firmamento. Assim também, ainda que o crente
ande aqui em baixo, o seu coração deve estar fixado nas glórias do alto.
Aqueles cujos corações se elevam acima das coisas deste mundo
não ficam aprisionados com os vexames e desassossegos que outros experimentam,
mas, antes, vivem plenos de alegria e de contentamento.
10) Consola-te com as promessas de Deus. As promessas são
grandes suportes para a fé, que vive nas promessas do mesmo modo que o peixe
vive na água. As promessas de Deus são quais balsas flutuantes que nos impedem
de afundar, quando entramos nas águas da aflição. As promessas são doces cachos
de uvas produzidos por Cristo, a videira verdadeira.
11) Não sejas ocioso, mas trabalha para ganhar o teu
sustento. Estou certo de que o mesmo Deus que disse: “Lembra-te do dia de
sábado, para o santificar”, também disse: “Seis dias trabalharás e farás toda a
tua obra”. Deus jamais apoiou qualquer ociosidade.
Paulo observou: “Estamos informados de que, entre vós, há
pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando; antes, se intrometem na
vida alheia. A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo,
que, trabalhando tranqüilamente, comam o seu próprio pão” (2 Ts 3.11-12).
12) Ajunta a primeira tábua da Lei à segunda, isto é, piedade
para com Deus e eqüidade para com o próximo. O apóstolo Paulo reúne essas duas
idéias, em um só versículo: “Vivamos, no presente século... justa e
piedosamente” (Tt 2.12). A justiça se refere à moralidade; a piedade diz
respeito à santidade.
Alguns simulam ter fé, mas não têm obras; outros têm obras,
mas não têm fé. Alguns se consideram zelosos de Deus, mas não são justos em
seus tratos; outros são justos no que fazem, mas não têm a menor fagulha de
zelo para com Deus.
13) Em teu andar perante os outros, une a inocência à
prudência. “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as
pombas” (Mt 10.16). Devemos incluir a inocência em nossa sabedoria, pois doutro
modo tal sabedoria não passará de astúcia; e precisamos incluir sabedoria em
nossa inocência, pois do contrário nossa inocência será apenas fraqueza.
Convém que sejamos tão inofensivos como as pombas, para que
não causemos danos aos outros, e que tenhamos a prudência das serpentes, a fim
de que os outros não abusem de nós nem nos manipulem.
14) Tenha mais medo do pecado que dos sofrimentos. Sob o
sofrimento, a alma pode manter-se tranqüila. Porém, quando um homem peca
voluntariamente, perde toda a sua paz. Aquele que comete um pecado para evitar
o sofrimento, assemelha-se ao indivíduo que permite sua cabeça ser ferida, para
evitar danos ao seu escudo e capacete.
15) Foge da idolatria. “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1
Jo 5.21). A idolatria consiste numa imagem de ciúme que provoca a Deus.
Guarda-te dos ídolos e tem cuidado com as superstições.
16) Não desprezes a piedade por estar sendo ela perseguida.
Homens ímpios, quando instigados por Satanás, vituperam, maliciosamente, o
caminho de Deus.
A santidade é uma qualidade bela e gloriosa. Chegará o tempo
quando os iníquos desejarão ver algo dessa santidade que agora desprezam, mas
estarão tão removidos dela como agora estão longe de desejá-la.
17) Não dá valor ao pecado por estar atualmente na moda. Não
julga o pecado como coisa apreciável, só porque a maioria segue tal caminho.
Pensamos bem sobre uma praga, só porque ela se torna tão generalizada e atinge
a tantos? “E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes,
porém, reprovai-as” (Ef 5.11).
18) No que diz respeito à vida cristã, serve a Deus com todas
as tuas forças. Deveríamos fazer por nosso Deus tudo quanto está no nosso
alcance. Deveríamos servi-Lo com toda a nossa energia, posto que a sepultura
está tão perto, e ali ninguém ora nem se arrepende. Nosso tempo é curto demais,
pelo que também o nosso zelo de Deus deveria ser intenso. “Sede fervorosos de
espírito, servindo ao Senhor” (Rm 12.11).
19) Faze aos outros todo o bem que puderes, enquanto tiveres
vida. Labuta por ser útil às almas de teus semelhantes e por suprir as
necessidades alheias. Jesus Cristo foi uma bênção pública no mundo. Ele saiu a
fazer o bem.
Muitos vivem de modo tão infrutífero, que, na verdade, suas
vidas dificilmente são dignas de uma oração, como também seu falecimento quase
não merece uma lágrima.
20) Medita todos os dias sobre a eternidade. Pois talvez seja
questão de poucos dias ou de poucas horas — haveremos de embarcar através do
oceano da eternidade. A eternidade é uma condição de desgraça eterna ou de
felicidade eterna. A cada dia, passa algum tempo a refletir a respeito da eternidade.
Os pensamentos profundos sobre a eterna condição da alma
deveriam servir de meio capaz de promover a santidade.
Em conclusão, não devemos superestimar os confortos deste mundo.
As conveniências do mundo são muito agradáveis, mas também são passageiras e
logo se dissipam. A idéia da eternidade deve ser o bastante para impedir-nos de
ficar tristes em face das cruzes e sofrimentos neste mundo. A aflição pode ser
prolongada, mas não eterna. Nossos sofrimentos neste mundo não podem ser
comparados com nosso eterno peso de glória.
Considerai o que vos tenho dito, e o Senhor vos dará
entendimento acerca de tudo.
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