Sistemas, capitalismos e outras coisas

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011 Postado por Lindiberg de Oliveira

O sistema hoje imperante – o do capital -, bem como seu concorrente histórico – o socialismo (hoje em decomposição em vastas partes do mundo) – elaborou métodos próprios de construção coletiva da subjetividade humana. Na verdade, os sistemas, também os religiosos e os ideológicos, somente se mantêm porque conseguem penetrar na mente das pessoas e conseguem construí-las por dentro. O sistema do capital e do mercado conseguiu penetrar em todos os poros da subjetividade pessoal e coletiva, conseguiu determinar o modo de viver, de elaborar as emoções, de relacionar com os outros próximos, com os distantes, com o amor e a amizade, com a vida e com morte. Assim divulga-se subjetivamente o sentimento de que a vida não tem sentido se não vier dotada de símbolos de posse e de status, como um bom consumo de bens, a posse de certos aparelhos eletrônicos, carros, certos objetos de arte e moradia em locais de prestígio.

Os vários sistemas fabricam socialmente o individuo adequado a eles, possuidor das virtudes que os reforçam, assim como contêm as forças que poderiam coloca-los em crise ou permitir a elaboração de uma alternativa para eles, H. Marcuse falava acertadamente da fabricação moderna do homem unidimensional. Em vez de reprimir os impulsos naturais do ser humano, o sistema incentiva alguns, realizando-os de forma intencionalmente empobrecida e reduzida, e recalca outros. Assim, a sexualidade é projetada como mera descarga de tensão emocional mediante o intercâmbio dos órgãos genitais. Oculta-se se verdadeiro caráter, cujo o lugar não é só na cama, mas toda existência humana como potencialidade de ternura, de encontro e de erotização da relação homem/mulher.

Outras vezes satisfazem-se as necessidades ligadas ao ter e ao substituir, e enfatizam-se o desejo de posse, a acumulação de bens materiais e o trabalho, mas somente como produção de riqueza. Na era tecnológica verifica-se na psique a invasão de objetos inanimados, sem nenhuma referência humana – os artefatos criam solidão; os dados da informática e do comutador vêm destituídos de tonalidades afetiva. Gera-se o individualismo, como com personalidades áridas, emotivamente fragmentadas, hostis e anti-sociais. Os outros são vividos como estranhos e como empecilhos a satisfação dos desejos individuais. Oculta-se a outra necessidade fundamental do ser humano, que é a necessidade de ser, de elaborar a sua identidade singular. Aqui não cabem a manipulação e a fabricação coletiva da subjetividade, como tão bem subordinou Félix Guattari, mas a liberdade, a criatividade, a ousadia, o risco de trilhar cainhos difíceis, porém mais pessoais. Ora, tal dimensão é subversiva dos sistemas de regulação social, moral e religiosa. Mas é a partir deles que o ser humano pode enfrentar o mundo do ter, sem se entregar à sua obsessão e ser vitima do seu fetichismo. Bem dizia um indígena americano: “Quando a última árvore for abatida, quando o último rio for envenenado, quando o último peixe for capturado, somente então nos deremos conta de que não se pode comer dinheiro”.


Leonardo Boff, em Ecologia, Mundialização, Espiritualidade 2008.