O grande abismo – C. S. Lewis
sábado, 16 de julho de 2011
Para se acreditar em inferno há de se ter
muitas vinganças a se realizar.
Gaston Bachelard (1884-1962), filosofo e poeta francês.
C. S. Lewis está na lista dos dez escritores que mais admiro. Primeiro
por sua ampla versatilidade e imaginação. Segundo, por sua espetacular
capacidade de fazer seus leitores compreender algo extremamente difícil com
analogias simples e básicas. Em sua obra O
Grande Abismo, ele não trabalha de caráter diferente. Lewis usa alegorias e
a fantasia para nos dar lições, e fazer entender algo que só pode ser – muitas
vezes – compreendido no momento.
O assunto em xeque é Céu e Inferno. Tema esse que confundem muitos,
fazendo pessoas de todas as religiões tropeçarem e se divergirem em vários
pontos. Com grande inspiração e alento, Lewis parte do pondo de que nossas
escolhas não terão reflexos somente nesta vida, mas tudo se resolverá na
eternidade, e é desse modo e nessa perspectiva que esse livro deve ser lido.
Assim como seria estupido e infantil interpretar o Apocalipse de forma literal
– e o número de pessoas que caem nessa armadilha não é pouco –, seria um
desastre agir assim com O Grande Abismo,
o que está longe de ser um livro escatológico em sua totalidade. Temos que absorver
a sua verdadeira mensagem, sua quintessência, que é expressa
de forma gritante em sua máxima de que "no mundo há dois tipos de pessoas: as
que, em submissão e amor, dizem a Deus ‘seja feita a sua vontade’, e aquelas a
quem o próprio Deus diz: ‘seja feita a sua vontade’”.
A partir daí foi-me aberto um leque de possibilidades de como devemos
interpretar esse tipo de questão. Penso que aqueles que irão para o Inferno permanecerão
lá porque escolheram estar lá. Estarão lá porque preferiram estar no sofrimento
a gozar de toda plenitude do Paraíso. É simplesmente infrutífera a ideia de um
lago de fogo literal, os quais serão jogados lá pessoas condenadas ao
sofrimento eterno por pecados temporais. Isso é simplesmente um pensamento
absurdo, uma invenção de homens com os inconscientes perturbados. As pessoas
não serão condenadas no porvir, pois, a condenação começa aqui, a partir de escolhas pessoais.
Quem crê nele não é condenado; mas quem não
crê já está condenado, (...). João 3.18.
Ao homem herege, depois de uma e outra
admoestação, evita-o, sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já
em si mesmo condenado. Tito 3.11.
(...) porque o príncipe deste mundo já está
condenado. João 16.11.
O verbo dessas declarações estão sempre no presente. A condenação começa agora, começa a ser vivida aqui, e isso terá reflexo em sua
totalidade na ultravida. A ideia de Lewis já chegou a ser confundida como universalista,[1]
mas diferente de seu mentor George McDoanld, Lewis passa a largo de ser um
Universalista – que chega a ser pra mim uma ideia bastante atraente em parte. Creio
que o Céu e o Inferno começam a ser vivido como um estado de espirito aqui na
Terra. Não é simplesmente uma questão de eu está ou não alegre, ter ou não prazer,
mas sim, se a vontade de Deus está ou não em consonância com minha vida.
Desejarei o Inferno toda vez em que eu não desejar-ter- a-Deus. O pensamento de
Lewis foi influenciado por Rudolph Otto (1937 †), que certa vez disse:
O pecado é a ausência do elemento divino, é
não-ter-a-Deus e não-desejar-ter-a-Deus. É exatamente dar as costas ao Eterno
que se revela e se entrega. Em termos gerais, é a relutância da criatura a se
atrair para Deus e, por fim, a resistência “do homem natural” contra a própria
graça.
Ou seja, o Inferno só será acessível pela possibilidade do desejo de querer estar lá. E os que estarão lá serão aqueles que deram as costas ao Eterno,
serão aqueles que relutarão em ser atraído a Ele. Irão desejar o tormento da inveja, do ódio, da solidão, da covardia, tudo que é contrário ao amor, ao perdão e a justiça. Se Lewis tivesse tido a oportunidade de meditar
– talvez até teve – sobre a frase de Bachelard que diz "para se acreditar em inferno há de se ter
muitas vinganças a se realizar", creio que ele a mudaria para:
Para se desejar o inferno há de se ter
muitas vinganças a se realizar.
©2011 Lindiberg de Oliveira
[1]
Corrente filosófica da qual crer que todas as religiões levam à Deus.
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