Deus, mulheres e outras coisas

quinta-feira, 11 de agosto de 2011 Postado por Lindiberg de Oliveira


Com o modo patriarcal de serem regidas muitas das sociedades antigas, as mulheres raramente tiveram espaço e voz — ao contrário, eram desvalorizadas ao extremo. Uma das raríssimas exceções de exemplos de mulheres no poder é a famosa Cleópatra (69 – 30 aC.): umas das mulheres mais conhecida e proeminentes da história antiga, Cleópatra era grega e conquistou o topo do poder como rainha do Egito. Apesar de ser uma grande negociante, estrategista militar, nunca chegou a ser detentora única do poder. Sempre co-governou com um homem ao seu lado.
Na antiguidade era muito comum as mulheres serem vistas de forma negativa, sempre inferior ao homem e com a postura não muito maior que a de um escravo — isso pode ser confirmado tanto na literatura grega quanto na judaica. Na sociedade grega, onde houve lampejos de uma democracia, as mulheres assim como os escravos não tinham autoridade, sendo totalmente passivas nas questões deliberativas. Nas relações sexuais, muitas delas eram trocadas por homens e submetidas a um simples objeto sexual.
Na mitologia, havia os destaques da bravura e sagacidade de deuses como Poseidon, Apolo e Zeus; mas o panteão também destacava fortemente a presença de mulheres através de figuras como Atena, Afrodite e Hera. As deusas eram contempladas e cultuadas, mas ainda assim era comum, na Grécia, os homens agradecer aos deuses pelo fato de ter nascido grego, livre e homem.
A despeito de muitas mulheres se sobressaírem, tanto na tradição judaica, como na cristã, muitas delas foram reduzidas a um móvel da casa. Historias como a de Eva, Dalila e Batiseba, eram vistas sempre como um tipo de desgraça natural para o homem. Era comum sacerdotes judeus repetirem: “Da mulher provém o início do pecado, e através dela todos nós morremos”. Isso para não parafrasear Adão: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”.
Salomão, que foi um cara extremamente sábio e romântico, coloca a mulher num patamar de beleza deslumbrante — dedicando a elas um livro da Bíblia e vários provérbios —, como também a coloca em níveis baixíssimo (Provérbios 10:7-19, Ec7:26). Platão e Kant, por exemplo, tem em comum o fato de que acreditavam que as mulheres não foram feitas para pensar, sendo este um privilégio dos homens, que se encontravam revertidos naturalmente com a linguagem filosófica e o conhecimento. Diziam que uma mulher instruída era um ser lutando contra sua própria natureza.
Contudo, é na cultura judaica que a mulher exerce papéis monumentais que desencadeiam episódios cruciais para a história dos judeus; episódios esses que não foram suficientes para mudar essa concepção judaica em relação às mulheres — isso porque a Lei já tinha uma legislação prontinha sobre o papel da mulher. Jesus Cristo viria para desconstruir essa ideia e abrir mão de qualquer postura regulatória em favor da mulheres.
É evidente que o mestre de Nazaré foi o único líder da antiguidade a tratar a mulher de forma puramente digna, endossando uma conduta inequivocamente abrangente e nada normatizadora. Numa ótica patriarcal, a mulher era excluída de todo exercício religioso e governamental. Boa parte das correntes rabínicas considerava indigno ensinar a Lei às mulheres, tratando-as num contexto de total submissão ao homem. Como sempre, Jesus andou subversivamente na contramão dessa conjunção cultural. O Filho do Homem era tocado por elas, tinham-nas como discípulas instruindo-as publicamente; era flagrado conversando com elas, sendo tocado por elas e até mesmo sendo presenteado por elas, causando escândalo aos seus discípulos e opositores.
Durante a história, as atitudes de Jesus nem sempre foi bem compreendido; talvez pelo jeito truncado de Paulo escrever, condicionado culturalmente pelo seu tempo, e expor algumas normas orientando que as mulheres ficassem caladas no culto ou que se submetessem aos seus maridos. Certamente Paulo foi o apóstolo que mais entendeu a mensagem de Jesus, entretanto, por não ser um cara tão esperto quanto Jesus — mas cheio das boas intenções — acabou deixando alguns regulamentos entes de morrer. Não deu outra. A postura de Paulo foi mais desejada, aceita e aplicada durante os anos que se passaram, gerando desdobramentos na vida real aonde o controle iria cada vez mais cercar a vida das mulheres.
Apesar disso, é preciso reconhecer que foi a partir do cristianismo que a cultura ocidental foi modelada e a consciência livre da mulher foi dignificada. Jesus exerce seu papel de libertador em relação à mulher e mostra que a liberdade feminina repousa na descoberta da ordem interna de sua consciência, tal como a do homem. É justamente nesse ponto crucial que nos igualamos em humanidade. É em Jesus — com suas curas, ressureições, com o seu modo de repartir o pão com aqueles que não tinham, com o jeito que seus pés eram lavados com lágrimas valiosíssimas — que o corpo passa por uma transição de uma mera prisão com funções biológicas — como vista pelos gregos — para um exemplar sagrado e valioso do Espírito.
É em sociedades primitivas, que não tiveram o toque da graça do Evangelho, que encontramos uma hierarquia muitas vezes bizarra das funções entre homens e mulheres. Comportamento explícito na condição social de mulheres nas tribos nômades da África ou Guaranis. É exatamente em países e culturas que se fecharam ou não tiveram acesso à elegância do pensamento cristão que observamos o condicionamento e a covardia implexa nas relações entre homens e mulheres.
Por isso, há uma beleza irretocável no fato de Deus escolher pousar numa mulher para que essa concedesse o seu filho; isso porque ele poderia escolher descer de várias formas, no entanto, é na mulher que o Espírito resolve pousar e se desenvolver. Um pensamento oriental discerniu com esmero esse conceito e reforça através de certo aforismo hindu:
O Espirito dorme na pedra, sonha numa flor, acorda no animal, sabe que está acordado no homem e sente que está acordado na mulher.
Em Maria o Espírito se desenvolveu em plenitude, pois para ela a fé não era objeto de dissecação, mas sim uma força vital de sobrevivência que a induz numa entrega total. E essa entrega acontece mesmo num solo cheio de dúvidas e questionamentos.
Jesus não se colocou diante das mulheres com uma postura reguladora e autoritária que é o que se esperava na época, e em troca, foi sempre da parte delas que Jesus recebeu os gestos mais afetivos e ousados: as mulheres nunca traíram Jesus como fizeram os apóstolos, inclusive o principal deles, Pedro. Elas foram fieis até o fim, ao pé da cruz e na hora do sepultamento. Não é de se estranhar que justamente o sexo feminino, tão desprezado e oprimido pela supremacia do macho, tenha sido escolhido por Deus para testemunhar o maior evento da história da salvação da humanidade: a ressurreição de Cristo!
Sei que Deus ainda é pintado como uma figura paterna e muitas vezes a igreja representa isso de forma muito severa, no entanto, creio que quando chegar à eternidade vou me deparar nos braços de um Deus-Mãe, que me abraça e me beija, com amor e carinho.
E essa ideia não é minha, não é da igreja e muito menos de Willian P. Young (autor de A Cabana), mas sim de Jesus Cristo. Ora, Jesus apresenta Deus como um pai, que tem as características de uma mãe: como uma galinha que acolhe seus pintinhos (Mt 23:37. Sl 63:7, 91:4); como o pai do filho pródigo, que aguarda o seu filho, e sai pra recebê-lo cheio de misericórdia, ou seja, cheio de entranhas — coisas que as mulheres têm.
Jesus apresenta Deus como mãe ao contar a parábola de uma mulher sai a procurar seu bem mais precioso, e quando encontra se alegra com suas amigas — somos esse bem mais precioso. Enfim, Deus transfigura-se numa beleza maternal, poética e sensitiva que transcende essa concepção tradicional e severa pintada pela religião e que a igreja infelizmente não consegue se desgarrar. Deus não é homem e nem mulher, mas quer ser amando como um pai; e é notável como também ama como uma mãe.

©2011 Lindiberg de Oliveira