Indigno e só
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Em algum lugar do nosso planeta,
numa cidade onde a salvação era para todos — cidade de cavaleiros valentes —,
havia lá um jovem, o qual ninguém sabia sua idade, mas todos sabia que era
jovem. Seu nome era Áudio.
Era um jovem cavaleiro
desempregado, não era rico e nem pobre, não explorava ninguém, mas também não
vivia de seus próprios recursos, não era inteligente e nem imbecil, não era
humilde e nem vaidoso. Gostava de ler, mas o que realmente o atraia eram as
artes orientais, onde os cavaleiros de bronze salvavam o mundo para proteger
suas crenças.
Tinha uma espada, mas não havia
deixado uma sequer cicatriz em alguém, em si mesmo ou no mundo para justificar
sua passagem por essa terra. Era inconstante, volúvel, havendo apenas uma
certeza em sua consciência, a certeza de que não sabia o que queria da vida.
Era todos os dias apenas ele mesmo, ou seja, muito menos que ninguém.
Consagrava-se às prostitutas de sua
cidade, e com elas partilhava sua cama, sem sentimentos, sempre com sinceridade.
Até que um dia passou a amar uma delas. Áudio a chamava de Especial, e a partir
daí, foi assim que ficou conhecida na cidade onde a salvação era pra todos. Ele
a chamava assim porque com ela, aprendera a sorrir.
Especial era desgraçadamente
saudável, era bonita, generosa, criativa e inteligente. Tinha sonhos, mas não
corria atrás deles, os sonhos é que perseguiam ela. Áudio doou-se às venéreas
paixões, amando Especial como ninguém. Ao lado de Especial o jovem
cavaleiro se sentiu amado, reconhecido e confortável. Sentimentos esses que não
se lembrava se tinha recebido antes.
Em outro tempo, numa terra em que
houvesse gladiadores e monstros, Áudio teria sido o guerreiro mais valente de
seu clã, e Especial, em vez de uma prostituta, teria sido a princesa mais bela.
As pessoas que o desprezavam se sentiriam honradas por estar em sua presença. Uma
escultura seria levantada no centro da cidade para demonstrar o lampejo de sua
fama; e sua história seria como espelho para todos os
poemas e para todos os contos. Os dois seriam o casal mais feliz desse mundo,
sugando por inteiro o tutano da vida.
Mas seu mundo inconcebível era o
nosso, e como tal, estritamente diferente. Áudio não era um herói, não era
famoso e nem tinha um belo romance. E Especial, que lhe proporcionou as maiores
das alegrias, o adequou também a tormentos inefáveis. Seduzida pelas cobiças e
paixões desse mundo, Especial o deixou, mutilando sua alma. Sem estimulo
e sem saída não lhe restava espaço ou lugar que não fosse sua indignidade e
vergonha. Chorava no chuveiro, onde ninguém poderia perceber, especialmente ele
mesmo.
Diante de tudo isso, o único erro,
pensava Áudio, é não fazer nada. E não fazer nada diante de não saber o que se
quer da vida talvez seja a coisa mais sábia a se fazer.
©2011 Lindiberg de Oliveira
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