Deus não instituiu instituições
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Parece-me indiscutível o fato do
movimento evangélico ter mal compreendido a mensagem de Jesus. A questão não é
que o Nazareno deixou uma mensagem secreta cujo devemos decifrar o seu
verdadeiro significado. Definitivamente não. A mensagem do Evangelho está
alicerçada numa simplicidade singular, mas apesar disso, nós insistimos
metodicamente em complica-la.
É assombroso para evangélicos de
toda estirpe imaginar que Jesus foi até o calvário sem deixar nenhuma regra,
nenhuma lei e nenhuma letra. Liberdade e autonomia eram o que ele sugeria em
todo momento. Andava semeando vida e amor numa terra que minava sangue, não se
rebaixando em nenhuma ocasião pregar à sombra de um cativeiro religioso do qual
a graça nos viera libertar.
Não repousou seu discurso no interior
isolado de quatro paredes. Ou seja, o ponto de encontro que Jesus obtinha para
semear suas palavras eram lugares longe das muralhas institucionais, como uma
praia, um campo, uma montanha, um barco; era na beira de um poço, numa festa ou
em um jantar, sem compromisso com protocolos ou burocracias religiosas.
É constrangedor e significativo o
fato de Jesus ter edificado sua Igreja e ao longo dos séculos os homens terem
feito dela uma máquina burocrática
celestial. Ora, Jesus pronunciou a
palavra igreja apenas duas vezes, e em nenhuma das duas se referia ao que
observamos hoje: prédios bem ornamentados e em sua maioria cheias de pessoas
vazias. O que era para ser um ambiente em que a graça era pra ser derramada;
onde as diferenças eram para ser apreciadas como diversidades simbolicamente
divinas, se tornou um espaço geográfico com uma estrutura física onde Deus só
tem poder naquela atmosfera. Um Deus tão limitado que só ali consegue se
manifestar. A graça é totalmente anulada nesses recintos dando lugar a uma
teologia de “causa e efeito”, onde o que vale é obedecer as regras para se
obter recompensas. Assim, o nome de Jesus se associa às praticas mais infantis,
bizarras e esquizofrênicas imagináveis.
As iniciativas humanas tendem
sempre à institucionalização, e é nesse ponto que a graça emanada do Filho do
Homem começa a ter um preço. Na pulsão incansável pela mumificação das
tradições, a igreja segue coagindo qualquer tipo de liberdade e desenvolvimento
que possa existir dentro de seu arcabouço. Na luta pela conservação de
práticas, doutrinas e dogmas totalmente rudimentares, a igreja abraça a cada
dia processos de engessamento onde vale mais o cumprimento das leis do que a
preservação das pessoas. É nessa brincadeira que a igreja acaba se tornado uma
unidade rígida, passadista, contornada por ares sagrados.
Em outro estremo, as igrejas
neopentecostais se descobrem prestando culto a uma “evolução”, varrendo a
tradição em benefício de uma visão renovada. Nessa esfera a igreja se torna uma
árvore sem raiz, um tronco podre que garante o surgimento de elementos modernos
no culto, que confunde entretenimento com espiritualidade, magia com milagres e
pregação com espetáculo. Tanto uma como a outra são manifestações prejudiciais
de instituições falidas. Não há meio termo nesse negócio.
Para haver equilíbrio nisso tudo
temos que ser tomados pelo Espírito de revolução do Evangelho. Ora, a revolução
está em colocar de cabeça para baixo toda ordem engessada pela instituição.
Jesus, o mais místico de todos os homens, percorreu seu caminho sob a
escandalosa ótica de ir além das conquistas sólidas do passado (a Lei e os
Profetas). Ultrapassando as bases da tradição, Jesus estende as mãos para
realidades futuras, transpõe essa mera organização mecânica e racionalista da
religião.
A religião seduz por tentar
promover uma ordem racional, onde cessam os questionamentos com convicções
inflexíveis; Deus é normatizado através de realidades humanas, para que
possamos nos sentir confortáveis diante de seu poder. Essa é a fracassada tentativa
de produzir na religião uma unidade racional, assim como um triângulo ou um
círculo que possuem rigorosa unidade geométrica. Mas para Jesus e seus
apóstolos, a Igreja produz outro tipo de unidade, uma unidade orgânica, onde as
variedades das suas partes não destrói a unidade do seu todo. Paulo compara a Igreja
a um corpo em que cada individualidade vive e convive harmonicamente dando
sentido a sua forma total.
Na tendência de perpetuar o que
começou como medida provisória — e isso na melhor das intenções —, paredes foram
levantadas e leis escritas com tintas indeléveis, fazendo com que a religião se
tornasse nosso chão, base pra tudo que fazemos, falamos, deixamos de falar ou
fazer. Aprendemos a amar quem nos ama, ser indiferente com os que nos odeiam e
separar nossos amigos de acordo com as crenças que apresentam. Dessa forma, as
igrejas deixam pegadas que têm muito a ver com projeto de Cristo, pois não anunciam
o Reino, não divulgam o Evangelho, apenas esbravejam o anúncio de si mesmas,
fazendo os discursos de Jesus — principalmente sobre prostitutas entrarem no
Reino primeiro que nós — perderem todo sentido.
Lutero, Kierkegaard e Nietzsche,
foram profetas que denunciaram veementemente o tradicionalismo irredutível
promovido pela igreja, sendo considerados abusados e rebeldes que torciam seus
narigões para as instituições. Entenderam que o dogmatismo é a voz da inércia e
do menor esforço moral, porquanto é cômodo aceitar uma religião estática, já
devidamente cristalizada em formas concretas e geometricamente racionais.
O Reino, permanente e absoluto, não
se encontra do lado de fora, não pode ser sintetizado num templo, num púlpito
ou em ajuntamentos de pessoas; ídolos, rituais, liturgias, sacrifícios e
penitências são apenas expressões de uma espiritualidade ainda nublada que busca
segurança, respostas e promessas de um Deus ainda distante. Claro que há certa
beleza em tudo isso. Mas é uma estética que aponta para algo superior, que
marca um anseio da alma pelo Eterno. E o Eterno só pode ser encontrado numa
viajem para dentro de si mesmo, pois é dentro de cada homem que se encontra o
reino de Deus.
“O reino de Deus está dentro de vós”.
Isso significa que este reino está além das intervenções religiosas e à frente
dos truques da mente. Isso significa que Deus instituiu seu reino dentro de
cada vaso de carne existente no mundo. Abraçar este reino é se deixar conduzir pelo
seu governante; então ele tem uma maneira impressionante de cuidar de você,
levando-o para onde ele quer, porque você é parte dele.
©2012 Lindiberg de Oliveira
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