Religião, culpa e outras coisas
sábado, 14 de abril de 2012
Considero as instituições
religiosas necessárias, mas nenhuma, sagrada — ou eterna. Desconfio
piedosamente delas, mas, sobretudo, creio piamente naquilo que Deus instituiu.
Ora, para o Nazareno, a Igreja nunca esteve limitada a algum tipo de espaço
geográfico, porém, onde estivesse dois ou três em nome dele, ali ele estaria
também. E esse ali, não se resume neste ou naquele monte, nem neste ou naquela
catedral especifica, porque o que Deus institui, ele estabelece na alma, no
coração, simplesmente por que o seu Reino não vem com visível aparência (Lucas
17:20); unicamente por que o seu Império não é comida e nem bebida (Romanos 14:17).
A deficiência das instituições é
simplesmente por que elas são instituições, sendo assim, todas elas ambicionam
petrificar algo que deveria fluir como um rio. O Novo Testamento não nos dá
base para criar algo permanente no âmbito exterior da nossa existência; pois no
mundo da experiência e dos fatos, todas as coisas passam por uma sucessão de
mudança onde o Espírito trabalha como uma força criativa e dinâmica de vida;
diferente das instituições, que na pretensão de perpetuar algo bom, cria um
ambiente rígido que paralisa todo movimento criativo da existência.
Consequentemente, a
igreja-instituição tem de morrer. “Se o grão de trigo caindo na terra não
morrer ele ficará só, mas se ele morrer dará muito fruto”. Muita energia já foi
e estão sendo gastas para eternizar o “grão de trigo”, estagnando todas as suas
potencialidades. Ora, um elemento com vida cíclica não pode ser perpetuado. O
“vinho novo precisa de odres novos”.
O Evangelho não cabe nas maquetes
estabelecidas pelas instituições. Nosso compromisso é com o nosso tempo, com os
nossos dias. Paulo afirma que Davi serviu sua própria geração segundo a vontade
de Deus (Atos 13:36), ou seja, sua genealogia foi perpetuada, mas não as
diretrizes seu reino. Vemos que muitas coisas do reinado de Davi foram
ignoradas no reinado de Salomão. No Reino inaugurado pela vinda de Cristo
também foram rejeitadas várias (se não todas) normas de procedimentos tidas
como honrosas do reino de Salomão.
O Evangelho tem um caráter
puramente subversivo em relação ao modo institucional da igreja. Jesus derruba
todos os lugares-comuns de lideranças hierárquicas, já que para o Nazareno “as
autoridades são postas para manter domínio”, porém, entre seus discípulos “não
será assim, o maior é aquele que mais serve” (Marcos 10:42-43). Estamos diante
de igrejas que querem ser servidas — sem contar nas megalomanias de seus
lideres que vivem como se fossem papas protestantes.
Cristo nos instiga a ser livres
diante da vida e da existência, todavia, a igreja exclui a liberdade, a poesia
e a beleza do Evangelho, restando apenas uma lista com tamanha caduquice, cheia
de horários para cumprir e abarrotadas de responsabilidades desinteressantes e
cansativas, que na verdade — pasmem — não serve pra nada.
É sempre interessante e sucinto que
a igreja use como lubrificante social variadas regras e proibições, e nesse
caso é realmente espantoso conceber a liberdade que Cristo nos outorgou. Jesus
evitou por completo as armadilhas religiosas e, portanto rasa, de proibição e
recompensa. Não gastou um minuto da sua vida ventilando teologia ou reduzindo a
ética a uma resposta “sim ou não” para um problema complicado. Era contando
historias que ele revelava e apontava o seu Reino. Os ideais de Jesus eram tão
ambiciosos que ele não só oferecia liberdade, mas também emancipação e
autonomia de escolhas e decisões para cada um de nós: “por que vocês não
decidem por si mesmos o que é certo?” pergunta Jesus (Lucas 12:57).
Nenhum autor do Novo Testamento
entendeu melhor essa afirmação do que o apóstolo Paulo: “Tudo é puro para os
que são puros; mas nada é puro para os impuros” (Tito 1.15), “Por estar unido
com o Senhor Jesus, eu estou convencido de que nada é impuro em si mesmo”
(Romanos 14.14), “Felizes as pessoas que não se condenam naquilo que aprovam
(Romanos 14.23)”. É evidente que essas declarações foram ignoradas sem nenhum
peso na consciência ao largo de dois mil anos. E contundentemente Paulo
continua:
Portanto, que ninguém faça para vocês leis sobre o que devem comer ou
beber, ou sobre os dias santos, Festa da Lua Nova, e o sábado. Tudo isso é
apenas uma sombra daquilo que virá; a realidade é Cristo. [...] Vocês morreram
com Cristo e por isso estão livres. Então, por que é que vocês estão vivendo
como se fossem deste mundo? Não obedeçam mais a regras como estas: “Não toque
nesta coisa”, “não prove aquela”, “não pegue naquela”. Todas essas proibições
hão de perecer pelo uso. São apenas regras e ensinamentos que as pessoas
inventam. De fato, essas regras parecem ser sábias, ao exigirem culto
voluntário, falsa humildade e um modo duro de tratar o corpo. Mas tudo isso não
tem nenhum valor para controlar as paixões da carne (Colossenses 2.16-23).
O que Paulo está fazendo é lutando
efetivamente contra a institucionalização do Evangelho, contra o “trafico da
religião” que é o negócio mais rentável do mundo, estando na frente do álcool,
da maconha e da cocaína, por exemplo. Desse modo, as instituições trabalham com
o débito, com o medo e com a culpa. Com a ausência de débitos, as instituições
não tem como sobreviver. A moral controlada pelas religiões deixam numa invariável
dívida com Deus, ou com as instituições que o representa, pois são
transgredidas constantemente. E isso nos leva à culpa, e a culpa nos leva a
vontade de se purificar.
Assim, as autoridades religiosas ou
a própria religião é (aparentemente) uma autoridade superior que se obedece não
porque ordene o que é “melhor”, mas simplesmente porque ordena, entretanto,
questioná-la já é uma imoralidade. É o medo perante essa “inteligência”
superior que ordena, que nos leva a agir de cabeça baixa sem o menor senso
crítico.
Jesus de Nazaré desmantela todos
esses trâmites nos absorvendo incondicionalmente, de forma totalmente integral
e — por incrível que pareça — gratuito. Todos esses padrões de débitos, culpas
e medo é naufragado no mar da graça. O anúncio de Jesus apresenta a
disponibilidade de absorção universal de débitos, culpas e medo. Esse anúncio desfere
pancadas não só em instituições religiosas, mas também a qualquer sistema
politico ou econômico estabelecido.
Agora entenda uma coisa; você não
deve mais nada, tudo já foi pago. Esqueça os ritos, os dogmas, as proibições,
as regras, as campanhas, as recompensas, os castigos e todas as ilusões que
essas coisas trazem — ou seja, a dívida, a culpa e o medo.
Consegue viver com tamanha
liberdade distraído leitor?
©2012 Lindiberg de Oliveira
O poder de quem abriu mão do poder
A religião de Jesus
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