Uma sociedade líquida
domingo, 20 de maio de 2012
O homem não morre quando deixa de viver, mas
sim quando deixa de amar.
Charles Chaplin
É degradante o fato de vivermos em uma sociedade em que somos
obrigados a correr de um lado para outro. Temos que correr simplesmente por que
temos que correr. E o pior de tudo é que quando paramos para pensar,
descobrimos que não estamos correndo para lugar nenhum. Zygmunt Bauman ilustra
bem o que quero dizer quando afirma que “em nossa época, vivemos como se estivéssemos
correndo sobre uma fina casca de gelo, se você parar ela racha, e quando ela
rachar você se afoga”. É isso mesmo, caro leitor, além de você viver em um
mundo sem referências claras de como resolver as coisas, você também descobre
que não tem tempo. Essa é uma característica fundamental da nossa sociedade.
E esse quadro não para por a; no dia em que se chama hoje – o
qual somos condicionados a correr sempre, a produzir em todo momento –, Bauman
desenvolve aquela metáfora clássica de que no capitalismo “tudo que é sólido se
desmancha no ar”. Para Bauman, não é ar, mas, sim, líquido. As coisas não tem
forma, e logo, elas se espalham. Tente apreender em sua mão o que você entende
por família, ética, felicidade e você verá inevitavelmente todos esses
conceitos e valores se desmanchando com muita facilidade, porque a relação com
sua mulher, ou seu marido, ou seus filhos, ou seja lá quem for, é uma relação
líquida, a qualquer momento ela pode acabar. É o infortúnio da vida, amigo, e
não há nenhuma garantia que a pessoa que está do seu lado permanecerá com você.
E isso justamente por que essa pessoa é alimentada pelo mesmo motor que você,
ou seja: eu mereço ser feliz naquilo que
faço.
Começamos a correr sem ter marcado um ponto de chegada,
condicionados por uma sociedade líquida, e movidos por um motor o qual o
combustível é sempre a insatisfação. Quando a pessoa que estiver do seu lado
não preencher os requisitos de felicidade da qual você se julga ter direito,
você troca. Simples assim. Nada mais é sólido; os valores, os afetos, os
conceitos, tudo se desmancha variavelmente da forma mais deformada possível.
Trocamos de relacionamentos sem nenhum motivo válido, tendo como impulso
somente nosso puro, genuíno e mais honesto egoísmo.
Diante do que foi dito acima, parece que não temos saída. As
únicas vias visíveis parecem ser aquelas que apontam para certo exclusivismo.
Mas, nem tudo está perdido; ainda existe uma noticia bastante original, e
pouquíssimas pessoas teve a ousadia de divulga-la e vivê-la. Essa notícia nos
liberta e ao mesmo tempo nos angustia quando nos orienta que mesmo que tenhamos
sido traídos ou abandonados, mesmo que a mágoa tenha tomado de conta e o
desgosto encerre qualquer possibilidade de ser feliz, o convite do Evangelho é:
continue amando. Essa é a única – eu disse a única – forma de você passar por
esse mundo não apenas existindo, mas vivendo. O fascinante dinamarquês Soren
Kierkegaard (†1855) nos brinda com o seguinte concelho: “Ame profunda e
apaixonadamente. Você pode sair ferido, mas essa é a única maneira de viver a
vida completamente”.
Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida,
crenças e convicções, mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes,
hábitos e verdades auto-evidentes. O amor é o único elemento que pode dar forma
a essa sociedade líquida.
©2012 Lindiberg de Oliveira
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