Lições de 2012

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013 Postado por Lindiberg de Oliveira





Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente.




Eu tinha uns 15 anos, e permanecia assustadoramente paralisado. Estava numa chácara, em cima de uma árvore, precisamente no topo dela. Abaixo de mim passava o rio, e atrás, várias pessoas esperando eu pular para que eles fizessem o mesmo. Não tinha como voltar – eles jamais deixariam. Eu era muito jovem em relação às pessoas que ali estavam, mas já tinha presenciado um garoto mais jovem que eu saltar do mesmo local. Se eu desistisse seria tido como covarde. Mas a questão é: não tinha como desistir. Então pulei, arregalando os olhos o máximo que pude. O tempo passou relativamente devagar ao ponto de parecer uma viajem. Parece exagero, mas foi exatamente dessa forma. A planta dos meus pés ardeu calorosamente ao espalmar na água. O mergulho foi intenso, constituindo assim uma experiência única e simplesmente maravilhosa.

Para alguém que estivesse observando lá de baixo, o meu salto poderia parecer algo totalmente efêmero e sem significado algum. Esse foi o tipo de experiência que jamais esquecerei, assim como centenas das que tive no ano de 2012. Muitas delas não têm um significado incisivamente pedagógico do ponto de vista prático, mas suas representações irão colorir minha memoria até o dia de minha morte. Ora, 2012 pra mim foi um ano espetacular e talvez, segundo a consciência que tenho, o mais feliz da minha vida. Estive sempre ao lado de pessoas especiais e que aprendi a amar, cada uma de forma muito singular, distinto e único. Entreguei-me à Vida e, portanto, nunca amei e me senti tão amado pelo Eterno.

Refleti muito sobre a existência humana, e aprendi que na vida não há garantias de nada. Não há garantias de que seu filho não será um vigarista, de que o avião em que você está agora não venha a cair ou de que o teto de sua igreja não desabe. Não será o dinheiro, religião ou mesmo a sabedoria que nos livrará da dor. Isso é parte essencial do que venho tentando articular ao longo desses anos (ignoro com quão pouco sucesso, mas imagino).

Aprendi que somos grandes na medida em que nos vemos pequenos e pleno de imperfeições. Que a felicidade do homem se encontra justamente na consciência de sua miséria e angustia. Que a angústia é o combustível para cada salto na vida. Que não existe razões lógicas que determinem como cada um deve se conduzir na vida, e que a escolha é um dos elementos determinantes de nossa liberdade.

Aprendi a não ter medo de ser contraditório. Que o verdadeiro filósofo não se contenta com as possíveis respostas dadas ao homem; ele entende que estamos encurralados em nossas contradições. Que os grandes paradoxos são as grandes verdades, e que as grandes verdades também podem ser as grandes mentiras. Vivemos o drama doconhecimento (epstemi), onde o que prevalece são as generalizadas informações (doxa). Estamos naufragados na impotência de descobrir alguma resposta segura que culmine na razão humana; isso por que a razão não tem condições de retroceder para trás da realidade visível para desvelar seu fundamento. Vivemos diante de uma “escuridão duvidosa”, incapaz de todo conhecimento, e isso é angustiante. Dessa forma, a tarefa propriamente filosófica consiste em curvar-se a Fé, pois, o último passo da razão está em reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a transcendem.

Aprendi que as crianças têm mais a me ensinar que os adultos ao meu redor. Seus questionamentos são sinceros, não brincam de brincar e levam a vida com mais honestidade. Que se prender ao horizonte imediato da história é dar um mergulho na desesperança, e que ainda mais desastroso é se prender ao passado.

Aprendi que a negatividade tem efeitos abissalmente positivos, e que crer nisso é irreversivelmente parte do meu ministério de ver o “circo pegar fogo”. Que estudar é bom e que educar é uma dádiva. Que a morte ainda é um mistério com implicações totalmente pessoal e intransferível, e que o que há de relevante e de interessante nesta vida sempre acontece depois do fim.

A solidão ainda me arrebata. E refletindo sobre isso, observo que a infelicidade de muita gente decorre de não saber ficar calmamente sozinho em um quarto. A solidão angustia porque nela nos defrontamos com nós mesmos, nus, e isso é insuportável. Somente os grandes espíritos mergulham clandestinamente no isolamento, fazendo do tédio e da melancolia seus parceiros. É nessa condição que os homens sentem seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Essa é uma dimensão da alma inerente a todo homem.

Aprendi que a vida, entendida a partir do ponto de vista da fé, tem uma extraordinária força explosiva. Que há uma diferença gritante entre existir e viver. Que só vive aquele que foi possuído pela fé. E só foi possuído pela fé aquele que deu o verdadeiro salto rumo à liberdade que Cristo nos outorgou. Só quem é livre de fato, concebe a verdadeira realidade, discernindo o que é essência da aparência.

Aprendi que a multiplicidade de experiências não amadurece ninguém. O que amadurece as pessoas são a qualidade e a maturidade das experiências. Um homem que teve cem mulheres, mas nunca amou ninguém, vai chegar em sua velhice um imbeciloide, afetivamente falando. As instituições ainda me incomodam – principalmente as religiosas –, pois elas sempre tendem a anular as boas intenções. E continuo acreditando que a ganância, liberta de suas cadeias ancestrais e alimentada pela tecnologia, com suas fabricações de novas necessidades, pode ser a chave da destruição do mundo e da mais fatal cegueira da história da humanidade.

As experiências que tive foram variadas; noites inesquecíveis, reuniões epifânicas, viagens nostálgicas, reconciliações improváveis, discursões amáveis. Disse coisas inconsequentes, fiz coisas fora de propósito e ri de muitas coisas impróprias. Sou um cara tímido, e como disse, adoro ficar só, mas também sou constantemente atraído por ajuntamentos passageiros. E é por isso que fui visto invariavelmente em parques, exposições comerciais, rodeios, shows, choperias, praias, congressos e até mesmo em manifestações de greves, pois, é nesses lugares que estão as pessoas, com suas maravilhosas contradições, o qual eu adoro observar.

Tudo que já falei e fiz, ou deixei de fazer, pode tranquilamente ser mal entendido e muito bem ser usado contra mim. Por isso, a principal lição que tive em 2012 é que isso pode acontecer a qualquer santo, e levando isso em conta, aproveitei bem o fim do mundo deixando a barba crescer, tocando violão, abraçando meus amigos, dando conselhos matrimoniais, fazendo musculação, comendo frango caipira, escrevendo para jornal, fazendo parte de uma banda de rock, criticando advogados, fazendo sexo, apresentando seminários, cozinhando, editando filmes, machucando pessoas, dormindo em hotéis, chorando, adquirindo tatuagens, conversando com homossexuais, furando filas, sendo notado pejorativamente como um play boy (na maioria das vezes pelos meus próprios amigos), criando galinhas, dando veneno pra ratos, tirando fotografias, acampando e tentando não morrer antes do tempo.

Que essa enumeração sirva para lembrar que sou uma pessoa, daquelas, imperfeitamente maravilhosa. Esgotei meus atributos fazendo tudo que quis fazer, falar, usar, e, aprendi bastante, com tudo. O que ainda posso dizer, é que, é perdidamente agradável olhar para trás e ver que estamos acendendo.

©2013 Lindiberg de Oliveira