Deus e a face da violência
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
É encantador falar de Deus sem fazer uso do discurso
manipulador político e teológico, que geralmente é embutido nas configurações
da religião. E é justamente por isso que estou convencido de que falar de Deus “sem
falar de Deus” é a maneira mais eficaz de comunicar o Evangelho. Sim, o
discurso mais perfeito e organizado, quando usado o nome de Deus, vem encravado
em si uma terrível agressão; isso, levando em conta que o objeto do discurso é
nada mais nada menos que Deus – a maior ferramenta de manipulação em massa de
todos os tempos. Ora, Deus é o fator que dá rosto à violência.
A via da política também é um terrível mecanismo de
manipulação, principalmente quando um grupo faz uso de um discurso religioso,
pois, imprime em sua ideologia uma moralidade inquestionável, absoluta e
inflexível. Isso porque a política mesclada com a religião, sempre pende para
uma categoria messiânica, com uma tentativa determinada de implantar a sua
utopia no mundo. Mas isso não está ligado, propriamente dito, a um grupo; qualquer
pessoa pode se servir, a qualquer momento, dessas estruturas de manipulação e
controle, que se mostram eficazes desde tempos pretéritos.
Não vou cometer o erro de achar que muitos desses
discursos não possam ser bem-intencionados; de fato os são, mas até esses
discursos também vêm carregados de uma agressão que distorce a realidade com a
sombra da alienação, interrompendo o bom senso emanado do Evangelho.
O maior perigo do discurso teológico ou político, no
entanto, é justamente isso: o engessamento inquestionável do dogma. Todo e
qualquer discurso que traga em si esses elementos, por mais bem-intencionados
que seja, levará a uma obsessão conservadora para a perfeita compreensão de
Deus e da realidade. E foi justamente esse impulso para ideias fixas que acendeu
as fogueiras da Inquisição, que conduziu as sangrentas guerras nas Cruzadas e
que levou uma classe religiosa a matar o Filho de Deus. Essa obsessão para ser
detentor do monopólio da verdadeira interpretação da Bíblia, é que dividiu
cristãos entre protestantes e católicos, regendo massacres inimagináveis entre
os dois grupos ainda hoje[1]. As
divisões se potencializaram, aumentando a cada dia o numero de facções
religiosas que se dizem donas da verdade absoluta. É exatamente essa a tentação
oculta nas boas intenções. O camarada mais generoso é tentado a sequestrar as
ênfases de Jesus, de Paulo e Agostinho, para justificar seus abusos; tudo em
nome das boas intenções, sempre representada por uma fome – talvez inconsciente
– de poder. O poder, por sua vez, sempre será condicionado pela instituição,
pela placa, pela doutrina, o dogma ou a ideologia.
Esse modo fundamentalista e arrogante de achar que
só existe uma maneira de entender e interpretar a Bíblia foi bem incorporado
pelo conservadorismo. O conservadorismo, talvez seja a maior representação de
uma classe que faz uso de um discurso teológico, porém violento, para
disseminar a sua ideologia, faz com que a Bíblia se torne a principal
ferramenta de dominação, de divisão e exclusão. Usam a Bíblia para controlar Deus,
e pintá-lo como um ser tremendamente obcecado pela justiça e totalmente
desinteressado pelo amor. Ao mesmo tempo, usam a igreja, em um sentido muito
profundo, para catalogar os medos que a sociedade deve ter. Esse é o início
para que o discurso religioso conservador venha a se tornar a maior fonte de
desumanização já vista: o conservador é o cara que classifica como herege todo aquele que não comunga de
sua crença, precisando ser refutado como conceito e eliminado como prática.
O conservador faz isso com extrema dificuldade, pois
ele tem que provar que a mensagem de Deus delicadamente moldada pela
instituição (pela sua instituição), é uma verdade inalterada e irretocável,
ontem, hoje e sempre. É dessa forma que a instituição se manteve preservada até
os dias de hoje. Deus, que sempre foi o maior agente de libertação, na boca
desse povo se torna o fator da escravidão, da alienação, da dissensão e da
exclusão.
Como eu disse acima, a maneira mais eficaz de falar
sobre Deus é se abstendo desses mecanismos de controle que está inserido na
própria essência bem-intencionada do fator Deus. Mas como falar de Deus sem
falar de Deus? Considerando que, desde os primórdios a religião sempre foi uma
poderosa arma, servindo superficialmente para exteriorizar certo tipo de
espiritualidade, parece não haver outra maneira de falar sobre Deus sem usar
uma homília teológica repousada na sombra confortante da instituição. Mas não é
bem assim. Jesus, que nunca foi bem aceito nos recintos religiosos, encontrou
um jeito mais sofisticado – talvez o único – e singelo para falar de Deus:
amando. Começando por chamar Deus de Pai, o Rabi de Nazaré, não saia ventilando
teologia, fingindo que Deus pode ser explicado através de conceitos que exclui
por definição a tolerância. Pra Jesus, Deus é um Pai, que também tem
características de Mãe.
Ao contrário dos teólogos e filósofos, Jesus fugia
dos discursos sistemáticos, deixando a entender que a instituição fracassou no
seu papel ambicioso de nos apresentar Deus. Mais ambicioso e com mais
precaução, Jesus nos apresenta Deus sem deixar uma doutrina. Para o Filho do
Homem, uma singela parábola valia mais que um tratado teológico; suas próprias
gentilezas definiam Deus mais do que qualquer conceito e explicações. Jesus não
era tão ingênuo ao ponto de sair dando explicações sobre a origem do mal, ou a
natureza divina; tudo isso ficava descartável, pois seu interesse era algo mais
existencial, era o corpo-a-corpo do dia-a-dia. Usar as ferramentas da
instituição para explicar Deus de forma conceitual e sistemática, é o mesmo que
cobri-lo com o véu da violência; e isso já era bem comum naquele momento. Para
Jesus, a natureza de Deus era revelada em suas pequenas comunhões, em sua
preocupação com os excluídos, com os perdedores; em sua inserção no mundo para
o qual veio redimir. Jesus falava de Deus amando, pois não há outra forma de
mostrar Deus ao mundo.
©2013 Lindiberg
de Oliveira
[1]
Sem contar grupos islâmicos e judaicos também usam a bandeira da religião para
justificar seus massacres.
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