O abandono do diálogo e a violência da palavra
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
Grosso
modo, não existe basicamente nenhum tipo de crime hoje, que não tenha
acontecido a milênios de anos atrás. Os refinamentos de crueldade adotados hoje
são basicamente os mesmo dos nossos antepassados. Não vivemos em um mundo mais
violento que antigamente – ou vice-versa; a sutil diferença é que hoje o terror
é divulgado com maior competência: o nome do assassino que entra numa escola e
faz dezenas de vítimas é mais publicado em jornais e revistas do que o nome do
agente que o deteve, ou o das próprias vítimas. Apesar das penitenciárias
estarem cada vez mais lotadas, isso de forma alguma é sinônimo de menos
violência, sendo a sensação de impunidade – uma das piores que existe – algo
tão comum quanto acessar o Facebook.
Se
existe um motivo que me deixa convencido de por que nosso mundo seja tão
violento, é que, de maneira geral, a violência é delicadamente prazerosa.
Quando pensamos a violência como um potencial em direção ao outro, a
brincadeira fica bem mais divertida. A história da humanidade é fundamentalmente
colorida por guerras e os livros que às narram, quando abertos, “minam sangue”.
O prazer na violência está teimosamente embutido em nós, e o Coliseu, que ainda
está bem firme, não me deixa mentir. Um dos maiores símbolos do Império Romano,
o Coliseu teve sua inauguração com “os jogos de cem dias”, sendo batizado com
sangue através de combates de gladiadores, lutas de animais, execuções,
batalhas navais, e outros divertimentos não menos sangrentos. As pessoas se
detinham durante todo o dia para ver e aplaudir espetáculos no Coliseu com
níveis de crueldade altíssimos (as torcidas organizadas dos clubes de futebol,
se esforçam bastante para alcançar esses níveis). Hoje, apreciamos isso não
mais no Coliseu, mas sentados confortavelmente em nossas poltronas. A violência
sempre foi fonte de entretenimento, e uma tecelagem lucrativa bastante
explorada – não é por acaso que os games, os filmes e as animações mais
violentas, são os de maiores sucessos; um reflexo da obsessão americana de
buscar na violência possibilidades redentoras.
Samuel
P. Huntington, antigo assessor do Pentágono, refletindo sobre a questão, diz:
“A lei e a ordem são os primeiros pré-requisitos da civilização; em grande
parte no mundo elas parecem estar evaporando; numa base mundial, a civilização
parece, em muitos aspectos, estar cedendo diante da barbárie, gerando a imagem
de um fenômeno sem precedentes, uma Idade das Trevas mundial, que se abate
sobre a Humanidade”. Ou seja, parece não haver redenção para os homens. Mas
lembre-se, caro leitor, o que está ruim nós damos um jeito de ficar pior. Se
não basta para o homem recorrer à violência material para conseguir seus fins,
descobrimos outro tipo de violência bem mais eficiente, que vou chamar aqui de violência da palavra: a sagacidade, o
discurso teológico e político, a diplomacia, a exploração, etc. No fundo é tudo
a mesma coisa. A violência da palavra é algo que está sendo internalizado
precocemente em nós.
A
cada dia, e cada vez mais cedo, somos incentivados a abandonar formalmente a
crença na verdade como diálogo para se apropriar de discussões pedantes onde o
conhecimento real é confundido com opiniões cabalmente vazias. A violência da
palavra sempre existiu na história da literatura, dando vazão para o
aprendizado, o exercício intelectual e o enrijecer do censo crítico. Mas hoje,
a internet patrocina o pior tipo de
violência da palavra – ou talvez o pior tipo de violência, levando em conta que
o alvo não é a carne que sangra, mas a alma. Na internet o diálogo é ignorado;
a regra é discutir, arrazoar, contender. O bom censo é jogado fora para dar
lugar à contenda, à correção, à censura, zombaria, e o rancor pré-estabelecido
vai sendo semeado com muita competência. O maior exemplo disso é guerra entre
conservadores e marxistas, direita e esquerda, católicos e protestantes. Não
existe meio termo pra quem coloca seu ponto de vista sob uma ótica ideológica –
isso no Brasil já é um pressuposto obrigatório.
Os
ambientes mais propícios pra isso são os blogs,
Facebook e twitter. É nesse solo
fértil da internet que os embates são mais violentos. O ódio implantado é surreal, dando lugar a
uma universalização arbitraria de desencadeamentos hostis. O MMA, um esporte
cada vez mais popular, se torna um jardim de infância comparado com os
critérios agressivos endossados na rede. Eis o rasteiro motivo pelo qual
retirei a caixa de comentários desse blog tão “espetacular”. Não é que eu não
queira um diálogo ou uma aproximação com meus distraídos leitores, mas
simplesmente tento evitar que este espaço se torne um reduto para pessoas mais
cafajestes que eu – ou talvez eu só não queira ser sucumbido pela vaidade
gerada pelos galanteios.
Em
meu mundo – ou talvez o que eu tento criar –, a gentileza e o cavalheirismo é a
atitude escancarada e mais ambiciosa que define a revolução. Diferente do
Facebook, esse mundo não é isento do toque, do beijo, da disponibilidade do
abraço; onde o partilhar do pão não é apenas uma figura de linguagem, e o
reclinar sobre o peito do amigo acontece nos âmbitos mais elegantes da vida. O Facebook,
diferente da vida real, já começa a aparecer seus primeiros traços de
decomposição, um reflexo do que aconteceu há milênios de anos na vida real. Não
sei o que virá depois, mas nada permanece quando a violência começa a ser um
modelo oficial de pesos e medidas. Eu acredito – assim como São Francisco de
Assis – que uma aceitável salvação para o mundo seja encarnar o Evangelho da
forma mais generosa possível; onde a contemplação de flores e pássaros e a
repartição de riqueza seja algo tão natural quanto abrir uma conta de e-mail;
essa é a marca irresistível que faz qualquer homem ser amado por alguns e
insuportável para outros.
©2013 Lindiberg Mustang
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