A autoajuda e sua não-possibilidade
quarta-feira, 30 de abril de 2014
Ser lúcido diante da vida é uma
atitude pra poucos. O normal mesmo é achar que podemos encontrar a felicidade
bem ali na esquina; ou achá-la manuseando um guia prático – tipo, “dez passos
para ser feliz”, “sete lições para ser bem sucedido” –, como se fosse uma
receita de bolo. O interessante é que livros com esses títulos estão sempre na
lista dos best-sellers anunciando as ilusões do coração como se fossem
verdades.
Qualquer discurso que vai contra
essa mensagem da autoajuda é escândalo e é justamente isso que me faz entender
o porquê os profetas do Antigo Testamento foram tão rejeitados. Afinal de
contas, “o seu destino é ser vitorioso”. Você já foi predeterminado desde antes
você nascer, quando, numa corrida, você deixou pra trás mais de duzentos
milhões de espermatozoides e venceu em primeiro lugar. E isso é uma verdade que
vale pra todos; desde Bill Gates até o gari que recolhe o lixo da sua casa.
Mas não para aí; “você é
insubstituível” e “seu lugar é no pódio”. Exatamente, isso vale pra todos que
concorrem à presidência da Republica a aqueles que participam da corrida
olímpica. O primeiro lugar é de todos. Ignore as contradições, como diz o
sábio, “quem pensa sofre”, e você não foi feito pra sofrer.
Não alcançou o primeiro lugar
ainda? Relaxa, “não desista dos seus sonhos”. Isso vale pra qualquer sonho
também, para aqueles mais bobos aos mais impossíveis. Por isso, não economize
imaginação, sonhe alto, afinal de contas você é do tamanho dos seus sonhos.
Hitler não desistiu dos seus sonhos. Chegou onde queria.
O livro do Eclesiastes, que nunca
foi um best-seller, nos convida a andar com os pés no chão. Diz o sábio que “os
velozes nem sempre vencem a corrida; os fortes nem sempre triunfam na guerra;
os sábios nem sempre têm comida; os prudentes nem sempre são ricos; os
instruídos nem sempre têm prestígio; pois o tempo e o acaso afetam a todos”
(Eclesiastes 9:11). Salomão deixa entender que na vida nem sempre dois mais
dois são quatro; e nos convida a encarar o absurdo da existência e suas
impossibilidades.
Jesus, com sua simplicidade, nos
alerta que no mundo teremos aflições. “Tende bom ânimo”, é o seu conselho. Ora,
isso não quer dizer que não seremos felizes. A felicidade é o processo dessa
caminhada na vida. É a construção de uma ordem interna mesmo diante da
inexorável angústia que nos rodeia. Nem o próprio Jesus se livrou dela: “estou
angustiado até a morte”, disse o Mestre de Nazaré.
Enfim, o problema disso tudo é a
confusão que criamos em identificar a dor com sofrimento e prazer com
felicidade. Muita gente tem prazer, mas não é feliz. A felicidade transcende um
mero conceito de prazer. O homem lúcido é aquele que tem consciência de sua
angústia, e isso não suprime o fator felicidade. Felicidade não é ausência de
dor.
©2014 Lindiberg de Oliveira
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