A simplicidade da santificação
quarta-feira, 8 de abril de 2015
O maior desserviço do movimento evangélico está no fato de
ter incutido no inconsciente coletivo de que só é possível falar de Deus se, de
alguma forma, formos escravos de púlpitos. Ou seja, se você não é membro de
alguma igrejinha, não usa gravata na hora de pregar, não segue determinados
usos e costumes, provavelmente pouca gente te dará ouvidos.
Já está implacavelmente inserido no imaginário das pessoas o
estereótipo de quem tem “autoridade” para falar de Jesus. Geralmente são
aquelas pessoas que exalam certo tipo de “santidade”; nesse caso, santidade,
seria um abraço a certas regras como: não ouvir “música do mundo”, não beber
álcool, não jogar bola, dizer (apenas dizer) que não assiste novelas,
frequentar campanhas, internalizar um novo vocabulário — palavras como:
"vaso", "canela de fogo", "levita", "na
carne", "retété", "tá amarrado", "vigiar",
etc., a lista é grande e, qualquer pessoa que não esteja disposta a introjetar
estes elementos do mundo gospel, será uma voz solitária.
Ora, para o Mestre de Nazaré, santidade é o próprio
crescimento do ser na graça; isto é, um crescimento da consciência humana na
própria pessoa de Jesus. Isto se resume numa caminhada de amor e misericórdia,
e não numa lista de coisas a se fazer, pois, santificação não é uma burocracia
divina. Santidade, para Jesus, é simplicidade, gratidão e contentamento; é amar
quem ninguém ama, mesmo que isso signifique transgredir a lei. Santidade é
maturidade para não se escandalizar com mais nada nesta vida, sabendo viver
tudo que é lícito e discernindo o que convém e o que edifica.
A visão dessa moçadinha evangélica sobre santidade é pagã,
farisaica e cheia de justiça própria, anulando totalmente a graça. Assim como
os fariseus, tratam a lei com extremo zelo, ao ponto de sacrificar pessoas
pelas regras. Quando falam em santificação, falam de suas próprias angústias,
pois não enxergam o que foi realizado na Cruz. Nesse meio há uma pobreza da
linguagem falada e vivida; “pastores” que são masturbadores de metáforas e não
pregadores autênticos; não sabem o sentido do que ensinam. O movimento
evangélico pode tranquilamente ser resumido como um povo que vivem a acender a
fogueira das vaidades, com cultos sem a elegância da simplicidade, e totalmente
desconexos com o movimento da Igreja Primitiva. E é justamente essa falta de
conexão com o verdadeiro Evangelho que guia o movimento evangélico a essas
novidades, fazendo a neurose ser identificada como devoção.
No momento em que estivermos seguro de já estarmos cumprindo
os dois mandamentos supremos do Evangelho (amar a Deus acima de tudo e o
próximo como a si mesmo), não haverá mais desejo de nenhuma regrinha imposta
por instituições religiosas. Essas normas a cada dia se revelam mais inúteis do
que nunca. É por pensar assim que há evangélicos que adorariam me ver no
inferno, porque não sou “gospel” o suficiente segundo seus rigorosos critérios
(graças a Deus não são por eles que sou julgado). Paulo, que era um apóstolo de
verdade, nos adverte que “tais regras, têm aparência de sabedoria, como culto
de si mesmo, e de falsa humildade, todavia, não tem valor algum contra a
sensualidade” (Cl 2.8-23). Pensem comigo. Aliás, nem se deem ao trabalho de
pensar. Apenas concordem. É preciso maturidade diante de questionamentos como:
é lícito fumar? É lícito ouvir Cazuza? É lícito dizer palavrões? É lícito beber
cerveja? É lícito achar Jean Wyllys um imbecil?
O apóstolo Paulo é excepcional ao dizer que é “bem aventurado
o homem que não se condena naquilo que aprova” (Rm 14.22). Ora, admiramos e
citamos com frequência homens como Lutero, que sabia apreciar uma boa cerveja;
Calvino, que às vezes recebia seu salário em toneis de vinho; Charles Spurgeon
(considerado o príncipe dos pregadores), que fumava charuto pra relaxar; C. S.
Lewis, que fumava cachimbo e bebia whisky; Dostoievski, que gostava de vodca e,
que tal Jesus, que comia com estelionatários, bebia com publicanos e era amigão
de prostitutas (Lc 7.34). Esses homens entenderam perfeitamente as palavras do
rabi de Nazaré quando disse que o que “contamina o homem não é que entra pela
boca”… não é modelo da roupa, não é o teor alcoólico do vinho, não são os acordes
de “Faroeste caboclo”, não é a marca da maionese e, sim, o “tamanho da língua”.
Finalmente, quem entendeu o Evangelho, entendeu que “tudo é
puro para os que são puros” (Tt 1.15); entendeu que santificação não é uma
conquista do indivíduo, não é mérito, não é medo; é graça, percebida pelo fruto
da vida, em amor.
©2015 Lindiberg Mustang
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