Um baile de sombras
domingo, 7 de agosto de 2016
Quando imitamos alguém isso revela um
profundo desejo de querer ser essa pessoa. Ou seja, de viver, entender, ou
internalizar as mesmas experiências que moldaram tal personalidade. De algum
modo todos nós passamos por isso, quando lemos uma biografia, ou quando ouvimos
algum músico, ou até mesmo quando assistimos a um filme. A imitação como um
amparo instrumental é essencial para o aprendizado seja do que for, e de forma
mais densa, nos leva à maturidade; é o que se passa quando encaramos pensamentos de gente como
Nietzsche, Tolstoi ou um Chesterton da vida.
O problema é que a falta de caráter de
nossa época tem produzido quilos e quilos de sujeitos que se contentam apenas
com a imitação enquanto tal — elas não querem participar do mesmo drama, não
querem ser, elas só querem parecer —, não
acreditando na realidade mas apenas na encenação. Isso me lembra Machado
de Assis em seu conto A teoria do medalhão, onde um pai aconselha seu filho
dizendo que o que é realmente valioso é a aparência.
Assim, o autor demonstra o caráter artificial dos círculos da sociedade em que
ele mesmo viveu.
Hermann von Keyserling, filósofo alemão
que passou parte de sua vida viajando pelo mundo, ao chegar no Brasil constata
em seu diário esse mesmo fenômeno entre a elite brasileira. Ele concluiu que os
brasileiros se satisfaziam tranquilamente se colocando no mundo apenas como
simulacros: uma cópia imperfeita do que é real.
Isto nos explica muita coisa, porque é
justamente esse comportamento que observamos em todas as dimensões de nossa cultura.
Praticamente importamos todo tipo de ideias dos gringos: as músicas, programas
de TV, enredos de novelas, gírias, moda, modinhas de rede social, etc. Com a
diferença que tudo nos chega como uma cópia mal feita.
Tomemos rapidamente como exemplo o mundo gospel da metade do
século XX até hoje. Importamos o neopentecostalismo com
o mesmo formato de pregações e as mesmas ênfases na administração, na entonação
da voz, no dinheiro, no sucesso. A imitação foi tão bem sucedida que não parou
aí. A música gospel, sempre no lugar comum, recheado de bandas e artistas como
Diante do Trono, André Valadão, David Quilan, Talles, Fernandinho, Aline
Barros, parece ser repetições ou até mesmo plágio de bandas e artistas como
Hillsong United, Planetshakers, Lifehouse, U2, Toby Mac, Jeremery Camp, Brooke
Fraser, etc. Não questiono o talento desses músicos, mas a coisa é tão mal
feita, que introduções musicais, riffs, solos, efeitos, performace, tudo isso
chega aqui com adaptações e simplesmente estacionam nesse lugar comum. Não há uma busca por uma identidade ou
originalidade. É apenas a imitação pela imitação.
A imitação deve ser cultivada como
instrumento pedagógico para a aquisição de uma habilidade em que se possa
encontrar a própria identidade do indivíduo. Mas em terras tupiniquins, a
imitação se transformou num recurso para se atingir apenas o brilho social — é
o mimetismo em sua função mais vulgar, que decorre do simples fato de seus
meios serem, ao mesmo tempo, o seu fim.
Há de se abandonar esse culto à
imagem e ao espetáculo das representações, pois como afirma Debord, o
espetáculo “não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo”. A construção de
uma identidade própria a partir da imitação mimética é essencial para evitar
que o sujeito não seja consumido por uma falsa consciência. Assim, essa
identidade não será apenas a impressão que você quer dar, mas também uma
expressão real do que você é.
Mas as pessoas, os
brasileiros, eu, tu, ele, nós, vós, eles, vivem numa espécie de palco de teatro
e tudo que sabem é atuar. Habitam o mundo contemplando as estrelas como se o
ser humano se encontrasse abandonado às traças divinas, sem forças para escalar
até o céu na busca de algumas respostas. Como o mendigo do romance Quincas Borba, de Machado de Assis, estirado
nos degraus da igreja fitando o céu como se quisesse dizer: “Afinal, não me hás
de cair em cima”. E o céu: “Nem tu me hás de escalar”.
Neste mundo
abandonado por nós mesmos somente os corajosos encontram respostas. Somente os
bravos conseguem ultrapassar esse jogo de imitações para alcançar a serenidade
do ser. A imitação deve ser superada pela força da personalidade individual,
caso contrário, continuaremos a admirar toda a vida social ser determinada por
esse baile de sombras que se tornou nosso país, cheia de pessoas famintas por
títulos, cargos, dinheiro e sucesso; constroem um edifício emocional
insustentável como finalidade da existência humana, transformando a vida numa
triste narrativa sobre a terra; tudo isso entorpece a alma e nubla nossas
percepções sobre a bondade e a verdade.
Penso que a vida
humana não precisa ser um teatrinho, que pode ser integralmente real, que um
homem pode passar do autoengano das imitações para uma existência verdadeira. Pois
é assim que o mundo é vencido: pela firmeza de pessoas que não se deixam levar
pelo fascínio das encenações. Fascínio este que se assemelha a um abismo de
espelhos, que paralisa, e dificulta uma verdadeira comunicação entre o próximo,
porque é disto que se trata também.
Falar sobre isso é complicado se
considerarmos que estamos inseridos numa sociedade industrial que produz
infelicidade generalizada e felicidade superficial em igual modo. O drama da
sociedade atual é que o comportamento de massa dá origem a vidas de massa,
gerando uma existência efêmera que produz um ser covarde. Segundo Heidegger, só
poderíamos ir além das máscaras eliminando o acidental e o trivial,
concentrando-nos no cerne do ser humano; ou seja, tendo consciência de nossa
finitude e nos libertando da superficialidade que a vida nos apresenta. Dessa
liberdade brota coisas importantíssimas. Verdadeiros milagres, como por exemplo,
a gentileza com o próximo, a sinceridade com nós mesmos, ou a lucidez
necessária para se discernir as sombras.
©2016 Lindiberg de Oliveira
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